"A jornalista Eva Gaspar, do Negócios, hoje pega num tema que já aqui abordámos no artigo “Bundesbank: e se usássemos os depósitos a prazo para pagar a dívida pública?” e que, de certa forma pode ser uma sequência ao artigo ontem aqui publicado “O FMI e a mosca sem asas com problemas de audição”.
No fundo, apesar de ainda ser difícil
encontrar quem em Portugal e na Europa reconheça o fracasso da política
de ajustamento seguida para Portugal (e não só) e ainda ser comum
ridicularizar quem retira as devidas ilações da não solução que o
processo tem revelado, há quem já esteja, de facto, a pensar no dia
seguinte: no dia em que todos vão ter de reconhecer o óbvio, ou seja, de
que estamos mais frágeis e desprotegidos perante algum novo choque
externo que complique o improvável cenário no qual ainda haveria alguma
esperança de que a nossa dívida seja sustentável*.
E
qual é esse caminho?
Bom, poderíamos pensar em defender agora aquilo
que se devia ter feito em devido tempo, ou seja, reestruturar a dívida,
negociar mais solidariedade perene (embutida no sistema
político-institucional da Zona Euro) por troca de maior comprometimento,
maior partilha de poder e soberania fiscal, em certa medida
aproximar-mo-nos de uma federação mais à imagem dos EUA.
Mas esse
cenário, defendido, até certo ponto, por alguns socialistas tem sido
desprezado pela Europa fora, em particular pelos partidos no poder,
sucedendo-se os recuos de toda a qualquer iniciativa nesse sentido
(veja-se o que resta da União Bancária, da reforma do sistema financeiro
ou do imposto único sobre os mercados de capitais).
O desprezo por esta
alternativa é tal que quem ainda a defende tem sido ridicularizado
pelos seu rivais políticos que dão como prova as cedências em França e
Itália, dos respetivos governo de centro esquerda, à solução
“austeritária”.
Reforça-se assim a prova de que só há uma solução,
certo?
Bom, quem leu a prosa de ontem saberá que não e quem hoje lê o texto da Eva Gaspar “Próximo resgate? Imposto Cadilhe”
ou lhe junta a proclamação recente do Bundesbank deverá, no mínimo,
começar a levar a sério uma outra alternativa, quer à atual política
condenada, quer à sua alternativa que aparenta ser politicamente
inatingível, da reestruturação da dívida.
E qual é?
É simplesmente esta:
sacar os recursos de riqueza acumulada num país (independentemente de
quem seja o seu justo dono) para pagar a dívida público do Estado.
Ou
seja, ir ao stock de riqueza e não se ficar por ir ao
rendimento anual habitualmente tributado.
Em certa medida, tributar
outra vez um rendimento que quando foi gerado já terá sido tributado ou,
ainda em outras palavras, suspender a aplicação do direito de
propriedade e do Estado de direito, nacionalizando tudo o que exista
dentro das fronteiras de um país.
Exageramos? Não nos parece!
O
Imposto Cadilhe, ou Imposto Bundesbank (para quem não sabe é o Banco
Central Alemão) ou Imposto Especial, seria ativado se o cenário de
sustentabilidade da dívida pública (que depende largamente de aspetos
externos ao nosso país e que não controlamos) se degradar ao ponto de
por cá se começar a falar mais intensamente em reestruturar ou mesmo
perdoar o todo ou parte da dívida.
O Imposto iria, por exemplo, aos
depósitos a prazo acumulados no sistema financeiro português e sacaria
de lá uma valente talhada que permitisse, em tese, recolocar a dívida
pública remanescente num patamar pagável, ou, por outras palavras,
sacaria dinheiro suficiente para pagar os empréstimos prestados a
Portugal pelos nossos parceiros Europeus (que rondam 40% da dívida
pública corrente).
Notem que esta proposta tem até pernas para andar
junto do centro esquerda ou mesmo da esquerda política, afinal será uma
forma de implementar uma política Robin dos Bosques pois estar-se-ia a
ir sacar a riqueza dos ricos… só que não se iria entrega-la propriamente
aos pobres dado que serviria para pagar aos credores internacionais.
Do ponto de vista do credor de dívida
pública, a proposta é inteiramente razoável e sendo razoável para ele é
de suspeitar que a fará em caso de aperto.
O dia seguinte é para o então
ex-credor, muito pouco relevante.
Em rigor, a sorte dos que permaneçam
como credores do Estado interessar-lhe-á pouco afinal, este plano será
apenas a constatação da desistência e a limitação de danos.
- Mas o que aconteceria no dia seguinte à banca nacional espoliada de dezenas de milhares de milhões de euros?
- O que aconteceria à dívida externa que é bem maior que a dívida pública e cujos devedores se veriam exauridos dos recursos (os seus depósitos) para gerir a situação já de si complicada?
- E o que aconteceria aos níveis de investimento disponíveis no país para tentarmos produzir e sair do buraco? Alguém acreditaria que o Imposto Especial não se iria repetir?
- E o que aconteceria à riqueza remanescente que tivesse escapado a esse imposto? Seria evitável fechar o país às transações internacionais isolando-o financeiramente do mundo?
Nada
disto é explicado, mas pelo que nos é possível antecipar, o risco de
estarmos perante o pior dos cenários possíveis é bem real.
Qual é esse cenário?
Termos de enfrentar
todas as desvantagens de uma saída virtual do Euro (pior até em alguns
aspectos) sem podermos esperar qualquer das potenciais vantagens
associadas à recuperação de alguma autonomia de política monetária e
estímulo imediato às exportações pela desvalorização monetária, entre
outros.
Em suma, se ontem concluímos que o
discurso de que não há alternativa a esta política é falso mais que não
seja no sentido em que a pergunta revela o pressuposto errado de que o
atual caminho é eficaz, hoje sublinhamos que pior é sempre possível.
Perante o fracasso provável da política
que patrocinaram, os nossos “parceiros” preparam-se para não ter pudor
em assumir o fracasso mas recuperando integralmente a verba emprestada,
verba essa que foi em larga medida inflacionada pela própria política
errada que nos foi imposta e que tão valorosamente nos dedicamos, de boa
fé, cumprir.
Perante isto, vale a pena pensar
seriamente no nosso plano B.
Quem não consegue pagar perde nome na praça
e demorará até conseguir recuperar a credibilidade mas tem direito a
pedir proteção contra os credores.
E de repente, esse cenário começa a
ficar menos desinteressante do que até aqui.
Ao menos que se dê
oportunidade a um Robin dos Bosques genuíno.
Pela amostra, até os ricos
locais que ainda não puseram o dinheiro ao fresco o preferirão."
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